20100422

Vera Bridges

Ano 0 | Episódio 4

Há 2 anos Vera fugiu do orfanato de Pawtucket. Tinha acabado de completar 16 anos e já não tinha mais esperança nenhuma em ser adotada. Duas famílias tinham manifestado interesse, quando ela ainda era bem mais nova. Mas seu comportamento agitado, agressivo, espantava todo mundo. O orfanato era na verdade uma pequena extensão da principal igreja católica da cidade. Tinha pouco mais de uma dúzia de meninas que foram abandonadas por seus pais. Como Vera, todas deviam ser filhas de operárias solteiras que não tinham condições de alimentar outra boca.

Vera foi encontrada na ponte da avenida principal. Por isso o pessoal da igreja resolveu batizá-la como Vera Bridges. Mesmo antes de começar a andar, Vera já mostrava um comportamento difícil. Recusava mamadeiras dos mais diversos tipos. Mas tinha uma saúde de ferro. Pelo que se sabe, nunca adoeceu. Mas cresceu uma menina franzina, de poucas curvas. Era constante alvo de chacota das colegas, que diziam que ela parecia e andava como um menino. Vera tinha passos duros. Mas era elegante, altiva.

Planejara a fuga por longos 3 meses. Aconteceria logo após a aula dominical, quando normalmente a igreja ficava repleta de crianças acompanhadas dos pais e outros familiares. Talvez demorassem meia hora, pouco mais ou pouco menos, para sentirem sua falta. Era tempo suficiente para ela plantar falsas pistas sobre seu destino.

Vera simulou uma ida para Boston. Fez questão de mostrar bem o rosto de traços fortes quando comprou a passagem de ônibus que nunca utilizaria. Também passou pela estação momentos antes do embarque, saco de viagem na mão, fazendo de tudo para ser percebida. Minutos antes da partida do ônibus se escondeu no banheiro, trocou a roupa e os sapatos, prendeu os cabelos e saiu de lá como outra pessoa.

Vera havia convencido John, um cara de 22 anos que trabalhava na fábrica de tecidos, a levá-la dali. Queria ir para Nova York. John disse que o máximo que conseguiria fazer era deixá-la em Springfield. Todo domingo ele levava uma encomenda de tecidos para Palmer. Seria fácil justificar um pequeno atraso de meia hora na viagem. Em troca de um beijo que se transformou em uns amassos forçados, John prometeu não contar para ninguém que a havia ajudado.

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Estamos no dia 27 de setembro de 1955. É fim de uma triste tarde de outono em Nova York quando Vera se lembra que é seu aniversário: 18 anos. Queria um trago de whisky para comemorar. Se contenta com um cigarro. Se lamenta com um suspiro. Mas tem um alívio: não precisa mais mentir sobre sua idade. Escapou ilesa, se sujeitando a trabalhos que ela jurou nunca mais fazer.

Vera dividia um apartamento de 2 quartos no Brooklin com uma velha e outras 3 meninas. Todas estavam ali fugindo de alguém ou de alguma coisa. Só a velha que não - havia desistido de fugir há muito tempo. E sobrevivia alugando um quarto com 2 beliches para meninas sem idade nem documentos. Seu filho gostava de passar ali uma vez por semana, para descolar alguns trocados e bulir com as garotas. De Vera ele não chegava perto. Tinha medo. E vivia dizendo para a mãe tomar cuidado com aquela vagabunda esquisita. "Ela é a única que me paga em dia", justificava a velha.

Na verdade a velha nutria uma simpatia especial por Vera. Mas não era correspondida. Vera retrucava com "sim" e "não" o questionário cotidiano. Só uma garota, Cecille, conseguia a atenção de Vera. Cecille tinha planos mirabolantes e uma história difícil de acreditar. Foi a primeira pessoa a arrancar gargalhadas de Vera Bridges em quase 18 anos de vida.

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