20100422

Jules Boutine

Ano 0 | Episódio 3

Jules Boutine é filho de uma puta de Nova Orleans. Nasceu no dia 13 de agosto de 1942. Delia, a mãe, desconfia ou deseja que o pai seja aquele moço saudável e bonito de Palestine, Texas. Bill qualquer coisa era o nome dele. Patrocinado pelo pai, corria as cidades do sul tentando escapar de uma convocação para a guerra. "Evite as grandes cidades", aconselhou o velho pai. Mas Nova Orleans tinha tentações demais para ser ignorada.

Delia era uma morena bonita, resultado de gerações de misturas nunca reconhecidas. A avó era escrava. A mãe, segundo amigos mais velhos, a puta mais linda que aquela cidade já conhecera. Cresceu no bordel e tentou cantar. O posto era mais concorrido que as camas. Até que tinha algum talento, mas ele ficou reservado para poucos clientes fiéis.

Até o nascimento de Jules trabalhou na cozinha. Não tinha jeito com o básico, mas todos diziam que seu feijão vermelho era imbatível. Tentou voltar para seu posto, atendendo pedidos. Mas já não conseguia conciliar a vida noturna com os afazeres de mãe.

As colegas ajudaram na criação de Jules. O dono da casa relutou, mas aceitou que mãe e filho ali permanecessem. O menino era quietinho demais.

Aos 9 Jules já ajudava na manutenção da casa, lavando pratos ou varrendo o palco. Era a parte que ele mais gostava: varrer o palco. Fazia da vassoura uma parceira de dança, um microfone ou um trombone. Passava horas ali, imaginando o melhor jazz já tocado em todos os tempos.

Fez amizade com os músicos. Virou mascote da banda fixa. Era branquelo demais perto deles. Era preto demais para os brancos da cidade. Era sempre repreendido nas ruas, fosse usando algo destinado aos negros, fosse usando algo destinado aos brancos. Aceitava quieto e sem entender.

Pouco falava com a mãe. E nunca quis saber quem era seu pai. Quando alguém tocava no assunto ele simplesmente saia de perto. Mais velho, desconversava: "Eu não tenho pai".

.:.

Todos achavam normal a quietude de Jules. E se divertiam, escondidos, com os shows imaginários que ele dava enquanto limpava o palco do bordel. Até que um dia Jules sumiu. Delia ficou desesperada. As amigas diziam que ele voltaria. Voltou, dois dias depois, sem esboçar nenhum tipo de explicação: "Andei por aí."

Os sumiços ficaram mais frequentes e longos. Jules subia e descia o Mississipi, acompanhando bandas de segunda em algumas vezes, sozinho outras tantas. Um dia criou coragem e foi bater em Memphis. Ficou sabendo de uma coisa diferente que estava acontecendo por lá. Um som diferente. Ficou quase um mês, mentindo sobre a idade e fazendo qualquer tipo de bico que lhe garantisse alguns trocados.

Mas sempre voltava. Calado, mas agora um pouco mais alegre. Pediu que o dono da casa trouxesse alguns caras de Memphis para tocar ali. O cara não viu sentido em gastar tanta grana com o transporte e hospedagem de uma banda que nem jazz fazia direito. Jules queria estar perto dos caras e avisou para a mãe que desta vez iria sem a certeza de voltar tão cedo. Delia tentou argumentar que um moleque de 13 anos não pode andar por aí, sozinho.

Jules Boutine disse que não estaria sozinho, embrulhou uma calça e três camisas, emprestou 14 dólares e se mandou para Memphis.

Nenhum comentário: